1/04/2007

Quanto vale ou é por quilo?


Acabo de realimentar meu masoquismo psicológico, revi o filme Quanto vale ou é por quilo?, de Sérgio Bianchi. Digo masoquismo pois sempre que assisto esse filme sinto extrema indignação misturada com sórdida impotência diante o estado das coisas. Ele simplesmente mostra a verdade, se assim podemos dizer. É uma bofetada na cara de nossa consciência ingênua e um soco no estômago de nossa consciência pseudo crítica. Arquitetados de forma irônica o filme é uma construção de significados que conjuga passado e presente, perpassando temas como a escravidão, a liberdade, a economia, a política, o poder, a corrupção, o social e, não menos importante, o ser humano com seus dramas e conquistas. Histórias reais registradas em documentos oficiais são resgatadas e reinterpretadas de forma quase sincrética para a nossa sociedade atual. Digo quase, pois Bianchi consegue ultrapassar os limites de uma transposição mecânica entre passado e presente, apresenta os novos significados de forma irritantemente lúcida, impossibilitando qualquer análise radical e genérica do gênero.
A história e os temas são apresentados de forma não linear, por exemplo, a responsabilidade social é seguida de cenas da época da escravidão. Desta maneira, o cinespectador é forçado a exercer sua liberdade de análise por meio de um ponto de vista singular, pautado em seu conhecimento e experiências cotidianas, causando a estranha sensação de realidade e intimidade com o roteiro. Em outro momento a análise das relações entre as classes sociais ganha expressão e são entrecortadas com a questão do preconceito étnico e com a questão da exploração financeira e ideológica da pobreza, ambas as situações construídas historicamente em nosso país. São pobres, negros, ricos, brancos, mulatos, pequenos burgueses e trabalhadores assumindo papéis e funções sociais ora semelhantes, ora contrárias aos seus ascendentes. São indivíduos que formam contextos específicos que trazem a tona a consciência histórica e o inconsciente coletivo de uma sociedade escravocrata, paternalista e clientelista, cujo desenvolvimento do capitalismo deu-se de forma mais que tardia, criando anomalias históricas presentes em nosso cotidiano e que provavelmente serão repassadas para os nossos descendentes caso não refletirmos sobre nossas vidas e ações. Assim, o filme ganha importância em sua própria função de disseminar informações, causar emoções e, paradoxalmente, cumprir com sua função social de sétima arte.
No entanto, como afirmei no início deste texto, todos esses elementos provocam a estranha e confusa sensação de indignação e impotência. Confusa por sua peculiaridade psicológica e estranha porque mostra ao mesmo tempo os grilhões ideológicos que nos prendem na imobilidade e as nossas ingênuas ações revestidas de ativismo. Entretanto, devo registrar que a provocação é a principal das sensações causadas, tanto é que ela mesma foi quem me motivou a escrever este pequeno relato parcial.

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